Quando se imagina viajar por uma estrada que atravessa um país, talvez a rota 66, que liga Chicago à Califórnia, nos Estados Unidos, seja a primeira opção que venha à cabeça de muita gente. Uma Harley Davidson ou um Mustang conversível cortando paisagens desérticas ao som de Born to Be Wild, do Steppenwolf. Esqueça tudo isso. Este é um Tour de France e a melhor coisa a fazer é imaginar-se, tranquilamente, a bordo de um mítico Citröen 2CV, em uma viagem de Paris a Menton, na fronteira com a Itália. Tudo isso, com o cantor Charles Trenet interpretando o hino desse símbolo da França, a Nacional 7, ou N7, como aparece nas balizas de sinalização instaladas ao longo do caminho.
"De todas as estradas do país, da Europa, a que eu prefiro é a que leva de automóvel ou carona em direção aos riachos do Midi." Trenet imortalizou a N7 em sua Nationale 7. A famosa "Estrada das férias" cruza o país de norte a sul, com seus carros abarrotados de bagagem e crianças perguntando quanto falta para chegar à praia. Diferentemente do que acontecia no passado, a N7 já não recebe a mesma quantidade de veículos que surpreendiam os camponeses instalados em pequenas casas à beira da estrada. "Ela sempre foi um salão do automóvel a céu aberto", lembra Raymon Rolland, responsável pelo museu dedicado à "Rota do sol". Atualmente, os motoristas preferem a rapidez das cinco pistas das autoestradas francesas, onde o vento não tem o agradável aroma de relva que acompanha o trajeto - são 995 quilômetros de Paris a Menton.
A N7 tem o mesmo ponto de partida de todas as estradas da França, uma placa instalada no chão da praça em frente à Catedral Notre-Dame de Paris. Diante da impressionante construção, os milhares de turistas que frequentam diariamente esse cartão-postal nem se dão conta de que ali também está o marco zero das rotas francesas. A saída da capital segue a direção sul, pela Porte d´Italie, em busca do sol e do calor do Mediterrâneo. Para trás, ficam as feias e maltratadas periferias de Paris. A primeira delas é Kremlin-Bicêtre. Uma estátua de ferro simboliza a presença dos gauleses na região, que percorriam o mesmo caminho há mais de dois mil anos, quando os romanos invadiram meio mundo, encurtando as distâncias com estradas pavimentadas que revolucionaram a maneira de se deslocar entre duas cidades.
Antes de ver seu traçado cortado por novas estradas e autoestradas de várias pistas, a N7 original era baseada na rota que ligava Roma a Lyon e, posteriormente, Paris. Com a criação do Correio Real, por Luís XI, no século 15, as estradas que atravessavam a França ganharam um traçado mais coerente e delimitado. Atualmente é possível ver os pontos que demarcavam a quilometragem da Nacional 7 enfeitados com a flor-de-lis, símbolo da monarquia francesa.
Ainda na periferia de Paris, a N7 mergulha por baixo das pistas do aeroporto de Orly, antes de começar sua travessia pelas regiões francesas de Île-de-France, Centre, Borgonha, Auvergne, Rhône-Alpes, Provence Alpes e Côte d´Azur. Por paisagens que misturam florestas, plantações, montanhas e mar, a Nacional 7 avança calmamente, sem o tráfego, os carros e os constantes pedágios das autoestradas francesas. |
A "Rota do sol", ou "Rota das férias", só começa a mostrar alguma beleza quando a floresta de Fontainebleau aponta no horizonte. É da cidade escolhida por Napoleão para descansar das batalhas que sai um dos ralis mais importantes que percorrem a N7, o Route Nationale 7 Historique. Dezenas de amantes do automobilismo reúnem-se, todos os anos, próximos ao Château de Fontainebleau, para percorrer o caminho que leva ao mar em belos carros antigos, revivendo o percurso dos pioneiros que atravessavam o país em automóveis que não tinham mais do que motor, volante, rodas e assento.
A 100 quilômetros de Paris, uma pintura na parede de um antigo prédio de dois andares indica que ali funcionou o Cent Bornes, onde aqueles mesmos pioneiros motoristas que iam em direção ao sul da França paravam para esfriar o motor dos carros e comer alguma coisa antes de seguir viagem. A partir desse ponto, a paisagem muda radicalmente, e placas convidam o viajante a parar em Montargis, a "Veneza de Gâtinais".
Com 131 pontes, Montargis parece viver de bom humor. Ali, as pessoas são de uma gentileza que espanta o turista acostumado com os garçons sisudos da capital francesa. "Não servimos mais almoço, mas se vocês quiserem comer, há um restaurante que fica aberto na praça", diz a dona de uma lanchonete ao repórter que suplica por um prato típico da região. "Vai ser difícil encontrar algo tradicional a esta hora, mas há uma loja de doces, que vende produtos daqui, como o crotte de chien", explica.
A loja é de doces, mas poderia muito bem ser de frágeis porcelanas chinesas, tamanha a delicadeza dos produtos expostos nas vitrines e prateleiras. A dona oferece um pote de crotte de chien, que em português quer dizer, literalmente, "cocô de cachorro", mas em Montargis não é nada mais do que uma amêndoa coberta por uma camada fina de chocolate. No restaurante da praça, um senhor abre um sorriso enorme ao saber que ainda existe gente interessada na velha N7. Com a ajuda de duas amigas e um copo de cerveja na mão, ele vai enumerando os lugares que devem ser visitados e as mudanças que a estrada sofreu nos últimos anos.
Gustave Eiffel e Mazoyer - "Em Briare, há o canal suspenso, que vale a pena ser visto", explica, antes de ser interrompido por uma senhora que garante que não há nada de interessante nos próximos 100 quilômetros de estrada. A mulher está errada. O canal de Briare volta a cruzar a N7 na cidade que leva seu nome. Se ainda não faltassem cerca de 500 quilômetros até o mar, Briare-le-Canal poderia ser confundida com um calmo porto do Mediterrâneo, com suas pequenas embarcações amarradas ao píer da rua principal. A cidade exibe, orgulhosa, um belíssimo canal suspenso e uma ponte que atravessa o rio Loire. A estrutura metálica e esverdeada, com um passeio para pedestres enfeitado por luminárias trabalhadas em ferro, foi construída no final do século 19, por Gustave Eiffel e Léonce-Abel Mazoyer.
O vale do Loire domina grande parte dessa região, onde a estrada se transforma em A77, cortando as plantações de uva e as vinícolas que se estendem por toda a paisagem da Borgonha. Nos muros das casas das cidades que se multiplicam dos dois lados da estrada, ainda é possível ver os anúncios desbotados da segunda metade do século passado. Em sua passagem pelo pequeno vilarejo de Malataverne, a N7 gira em uma de suas curvas mais famosas, a Sacha Distel - nome dado em homenagem ao cantor francês.
Em 1985, Distel conduzia um potente Porsche Carrera 924 GT, acompanhado da então estrela Chantal Nobel, que reinava nas novelas francesas da década de 1980.
Na curva acentuada, o cantor perdeu o controle do carro e sofreu um acidente que o deixou com pequenos ferimentos. Já Chantal passou 40 dias em coma e teve sequelas que a obrigaram a se retirar da vida pública. Escondidos atrás de arbustos, os radares de velocidade se multiplicam pelos canteiros. Os limites variam conforme o trecho. Nas cidades, 50 km/h. Quando os campos tomam conta da paisagem e não há mais nada com o que se preocupar, além de possíveis animais cruzando a pista, os 90 km/h parecem poucos. Nos raros momentos em que a Nacional 7 se divide em oito pistas, de duas mãos, o pé afunda no acelerador e chega-se a 130 km/h.
A velocidade só é ilimitada quando o motorista avista o Circuito de Magny-Cours, um dos templos do automobilismo francês, palco dos últimos Grandes Prêmios da França de Fórmula 1, cortado do calendário da competição este ano. O motivo seria a distância em relação a Paris e a falta de infraestrutura para receber uma corrida desse porte.
De volta à estrada, o caminho leva a Lyon, onde a N7 remonta à época romana. Mas antes disso, uma parada em Roanne, onde fica La Maison Troisgros. O restaurante dos irmãos Troisgros abriu suas portas em 1957, em frente à estação ferroviária da cidade. Sempre foi renomado pela qualidade dos pratos que serviu e, há anos, ostenta três estrelas no guia Michelin, considerado a bíblia da gastronomia mundial. Na saída de Roanne, a N7 volta a atravessar o Loire, que ficará de uma vez por todas para trás, já que, a partir de Lyon, a estrada segue paralelamente ao curso do rio Rhône. Nesse trecho, a Nacional 7 teve seu traçado modificado em relação ao original, mas ainda é possível ver os vales que atravessam as montanhas e atingem seu ponto culminante, a 760 metros.
A chegada a Lyon é o fim da primeira parte da viagem. A estrada adentra a cidade contornando o famoso Relógio de Tassin, monumento construído no início do século 20 e que permitia aos viajantes ver a "hora republicana", sem ter que desviar o olhar para o campanário da igreja e sua "hora religiosa". O caminho leva a Vienne, vilarejo que conserva alguns monumentos da época romana, entre eles o La Pyramide, que dá nome a um dos mais conhecidos restaurantes franceses, comandado pelo chef Patrick Henriroux, duas estrelas no guia Michelin.
Em Pont-de l´Isère, a N7 atinge a latitude 45 do globo terrestre, na metade do caminho entre o polo e a linha do Equador. Este também é o ponto que dá início ao Midi francês, onde o clima começa a mudar. Então, o motorista percorre a antiga rota dos Correios, passando pela larga planície do Rhône, com suas árvores frutíferas enfeitando a paisagem. Alguns quilômetros adiante, chega-se a Piolenc, com seu museu dedicado à estrada. O lugar, que ficou fechado durante anos, acaba de ser reinaugurado, graças as doações de apaixonados pela estrada (veja boxe ao lado).
Alguns quilômetros à frente, Orange aparece no para-brisa, junto com seu incrível Arco do Triunfo, erguido pelos romanos e contornado com respeito pelos carros que seguem pela famosa rota, em direção a Avignon, uma das mais belas cidades do país. Neste ponto, a Nacional 7 faz a curva em direção ao sul da França. Em Aix-en-Provence, os chafarizes tomam conta da cidade, como se tivessem sido colocados ali com o intuito de refrescar o viajante antes da chegada ao mar. Fileiras de árvores acompanham o caminho até a paisagem montanhosa voltar a fazer parte do percurso. O Mediterrâneo está próximo. Em Fréjus, antigo porto romano, o mar já é visível do alto das colinas. A Via Augusta, por onde as legiões e os comerciantes vindos de Roma passavam em direção à Espanha, ainda conserva parte de seu traçado original.Nesta parte da viagem, a N7 abandona a beira mar para se embrenhar pelos típicos rochedos que se esparramam pela Côte d´Azur. Serpenteando as 183 curvas do traçado da romana Via Aureliana, a estrada leva o viajante até Cannes.
Essa é a hora de parar o carro e passear por algumas das praias mais famosas do país, antes de iniciar a última etapa da viagem. Mônaco está logo abaixo. O Rochedo, como o principado é conhecido, é outra parada obrigatória. Estacionando o carro, o turista boquiaberto posa para a tradicional foto com Monte Carlo inteiro sob as montanhas da Costa Mediterrânea.
Essa é a hora de parar o carro e passear por algumas das praias mais famosas do país, antes de iniciar a última etapa da viagem. Mônaco está logo abaixo. O Rochedo, como o principado é conhecido, é outra parada obrigatória. Estacionando o carro, o turista boquiaberto posa para a tradicional foto com Monte Carlo inteiro sob as montanhas da Costa Mediterrânea.
RUMO AO SOL
Símbolo da França, a Nacional 7 cruza o país, de Paris à Côte d´Azur, em um trajeto de 995 quilômetros repleto de belas paisagens. Confira abaixo algumas informações antes de iniciar essa aventura.
Site oficial
www.nationale7.comPiolenc Museu da memória da Nacional 7
www.memoirenationale7.fr
Montargis
www.montargis.fr
Briare-le-Canal
www.briare-le-canal.com
Malatavern
www.malataverne.fr
Lyon
www.lyon.fr
La Maison Troisgros
www.troisgros.fr
Vienne
www.france-for-visitors.com La Pyramide (14, bd Fernand Point, Vienne) - Templo da gastronomia, foi inaugurado há mais de 50 anos pelo chef Fernand Point
Avignon
www.avignon-et-provence.com
Aix-en-Provence
www.aixenprovencetourisme.com
Fréjus
www.frejus.fr
Cannes
www.cannes.comLe Tantra (13, rue du Dr. Mono, Cannes) - Localizado no centro de Cannes, a dois passos da praia, esse restaurante com uma decoração moderna serve o melhor da cozinha francesa e japonesa
Menton
www.menton.fr
Nenhum comentário:
Postar um comentário